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domingo, abril 28, 2024

Vozes da Bola: Craque do Fluminense, Deley conta ao Lado de Cá como quase foi parar no Flamengo na adolescência

Bruta como o aço no qual se orgulha em ser lembrada, Volta Redonda foi tênue como o som da pétala de uma flor resfriada pelo sereno e soprada pela brisa naquela preliminar no estádio da Cidadania, entre Barra Mansa e Comercial, em 1976.

Sob olhares argutos de Gil, Pintinho, Rivellino e Paulo Cezar Caju, craques consagrados, um garoto mirrado chamado Wanderley Alves de Oliveira, com seus passes longos milimetrados, era a personificação de Gérson, o Canhotinha de Ouro, com a camisa do Barra Mansa.

Então, nessas surpresas agradáveis que a bola nos proporciona, nascia Deley para o Fluminense e morria Nelson Rodrigues para o mundo, sem não antes presenciar que o inesquecível camisa 8, foi um dos últimos brilhos tricolores que a retina do imortal dramaturgo enxergou naquele título estadual em 1980.

Deley, maestro incomparável, começou a reger a orquestra da rua Álvaro Chaves e logo entraria para a história como um dos mais habilidosos meias-armadores que já passaram pelo Fluminense.

No mês de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol, e o Lado de Cá conversou com este craque inesquecível de todo tricolor, na série Vozes da Bola.

Deley, quando você decidiu que ia ser jogador de futebol?

Meu pai era funcionário da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), aqui em volta Redonda. Começou como servente, mas sabia que para ascender na empresa e poder dar mais conforto a família teria que estudar. Eu tenho um irmão com paralisia infantil e meu pai fez cursos, se formou em Contabilidade, e foi promovido a chefe de seção. E como a maioria de filhos de operários, naquela época a gente se enxergava seguindo a trajetória do pai. Eu já me enxergava como alguém que ia trabalhar na CSN.

Os tricolores até hoje não esquecem o seu passe magistral para Assis no Fla-Flu que decidiu o campeonato estadual de 1983. Quais as recordações daquele jogo?

Por causa daquele gol, até hoje sou parado nas ruas. Eu brincava muito com o Assis sobre isso e ele foi um dos poucos amigos que fiz no futebol. Dá para contar nos dedos os que tive. Eu o zoava, dizendo: “Assis, avisa lá que 80% do gol foi meu” (risos). Mas realmente foi um momento fantástico e a lembrança que eu tenho é a minha preocupação da torcida invadir o campo para abraçar o Assis. Mas quando ela (a torcida) invadiu, alguns foram abraçá-lo e outros me abraçaram. E tiraram uma foto minha sentado no momento que eu vi o (árbitro) Arnaldo indo embora. Eu estava preocupado com a saída de bola e ali, sentei. Ia ser entrevistado pelo Raul Quadros e disse que aquilo ali “havia sido escrito há seis mil anos atrás”, que me veio à cabeça, essa profecia do Nelson Rodrigues.

O Maracanã completou 70 anos recentemente. Quais são as suas primeiras lembranças como jogador no estádio?

São inúmeras. Outro dia tive a chance de ver algumas fotografias antigas da geral e pensei em vários momentos que vivi no estádio. As melhores lembranças são de quando nós jogávamos no juvenil e no primeiro tempo já tinha 30, 40, 50 mil pagantes, que faziam questão de ver o nosso time jogar, que era uma ‘Maquininha Tricolor’. Então, era muito legal a gente fazer a preliminar e perceber o estádio enchendo aos poucos.

No dia 19 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que o futebol representou para o Deley?

O futebol representou muito para mim. Eu, um garoto do interior, o futebol abriu oportunidades e me deu chances de viver muitas coisas na vida. Socialmente, quem vem de camadas mais humildes, através do futebol, tem a oportunidade de viver momentos maravilhosos, de conviver, de aprender. E, eu encontrei não só pessoas da área do futebol, mas da cultura, da política. Então, tem muito a ver com a minha formação pessoal. O futebol me oportunizou chegar aonde eu cheguei, ter sido secretário de Esportes aqui em Volta Redonda, ter deixado vários legados aqui na cidade e ser deputado federal. Não sei, se sem o futebol eu teria feito tudo isso. Assim como fez o argentino naturalizado espanhol Di Stéfano, que ergueu um monumento de uma bola no jardim de sua casa, agradecendo a ela por tudo, eu tenho muito que agradecer ao futebol.

Há cinco anos, nas eleições presidenciais no Fluminense, você foi derrotado por Peter Siemsen. Ainda pensa em ser presidente do clube?

Não, não penso mais em ser presidente do Fluminense. Acho inclusive que os clubes vão ter que repensar o lance da pandemia. Eu achava que a única saída era a transformação do clube em empresa ou algo parecido, mas não acredito mais nesse modelo. E naquela época, era um outro momento. Economicamente o país vinha muito bem, e o fato de eu ser deputado, me ajudaria a contribuir e muito para o Fluminense. Eu não tenho dúvidas que o Peter foi um horror, e é um dos piores da história do clube. Acho que eu teria condições sim, de fazer muitas coisas, mas também faz parte da vida, faz parte do jogo. Mas foi, acima de tudo, um momento muito bacana e inclusive fui homenageado no final da eleição. É uma coisa que tenho como um grande momento marcante na minha vida.

O futebol brasileiro parou de produzir aquele camisa 8 clássico, como você, Adílio e Sócrates. A que atribui essa escassez de meias que desequilibravam uma partida?

A falta do camisa 8 no futebol brasileiro é uma coisa que vem acontecendo ao longo do tempo. O nosso futebol vem cometendo erros e o principal é copiar o europeu. Se você olhar para trás, a questão física já aparece na Copa do Mundo da Inglaterra, em 66. Ela tem um hiato na Copa de 70, até porque o Brasil teve quatro meses para se preparar, jogando na altitude e sob um calor enorme. Em 74, quando volta para o ambiente europeu, você tem aquela revolução que foi a Holanda e aí, uma leitura também errada daqueles que dirigiam o futebol brasileiro, que entenderam que a partir dali o futebol era força. O Brasil começa a fugir das suas características, da sua maneira de jogar, e aí aparece esse tal de dois cabeças de área. Hoje, se prova mais uma vez que não funciona e os meias da Europa e nos times modernos de lá, os meias vão e voltam. O De Bruyne, do Manchester City, talvez seja o melhor exemplo disso. Nos últimos tempos, tivemos o Ricardinho e o Ganso, que com problemas no joelho, não foi o jogador que esperávamos que fosse. Mas isso é culpa das categorias de base com os seus tecnocratas que exterminaram esse tipo de jogador, que sempre fez parte da nossa cultura no futebol.

Defina Deley?

Se fosse uma palavra eu diria solidário, talvez generoso, sei lá. Se fosse uma frase maior, a minha melhor definição seria uma do Arturzinho que disse certa vez: “Eu só vi dois jogadores jogarem sem condições físicas: Sócrates e Deley”. Concordo com ele, e acho que realmente não fui um atleta.

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