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sexta-feira, abril 19, 2024

Zico, maior jogador do Flamengo, é o personagem do Vozes da Bola

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Todos buscavam algo, além da Lagoa na época pré-túnel Rebouças, com poucas casas às suas margens, onde se podia ouvir o galope dos cavalos que montados por amazonas e cavaleiros da Sociedade Hípica Brasileira, cavalgavam pelo matagal que se estendia da Curva do Calombo até a finada favela da Praia do Pinto.

Em frente ao Estádio de Remo, dominando tudo a sua volta com seu monumental lance de arquibancadas, a imponente sede do Flamengo abria os braços querendo abraçar aquele menino loirinho, magrinho, ainda pequeno para seus 14 anos.

Pela primeira vez na vida saía de Quintino, zona norte do Rio de Janeiro, para colocar os seus pés sagrados no não menos sagrado chão da Gávea.

Naquela quinta-feira, 28 de setembro de 1967, trazido pela mão pelo radialista Celso Garcia, Zico – apelido dado pela falecida prima Ermelinda – treinou pela primeira vez no Flamengo.

No entanto, antes de mostrar seu talento em campo, Zico precisou que Celso Garcia, convencesse Modesto Bria, treinador do juvenil do Flamengo e imortal craque do primeiro tricampeonato em 1942/43/44, a lhe dar uma chance.

“O que me movia era a coisa de Flamengo, de entrar para o meu clube de coração, que era o que eu mais desejava. Mas o primeiro momento foi de decepção, pois a escolinha tinha duas categorias, e apareci no dia do treino dos garotos mais velhos. O Bria não queria me aproveitar. Assim mesmo, o Celso criou toda uma situação, para não desperdiçar a nossa viagem, e acabei entrando. Não foi nada demais, só deu pra fazer umas gracinhas, aquela não era a minha praia. Eu realmente fiquei assustado quando cheguei à Gávea, naquele primeiro dia; os caras eram bem maiores do que eu. O fato é que me mandaram voltar no dia seguinte, uma sexta-feira, para me apresentar para a partida de domingo, contra o Everest. Eu me apresentei aos responsáveis pelo meu núcleo, o Célio de Souza e o José Nogueira. Joguei e fiz dois gols na vitória de 4 a 3. Mas não me lembro de quase nada. Só quando pego alguma foto da época. De qualquer jeito, foi ali que o meu sonho começou a se tornar realidade. Eu tinha sido aceito na escolinha do Flamengo”, disse a Roberto Assaf e Roger Garcia, autores de sua autobiografia, ‘Zico 50 Anos de Futebol’.

Se o Natal rubro-negro é 3 de março, podemos afirmar indiscutivelmente que o Ano Novo é 28 de setembro, data em que mostrou todo o seu futebol de um menino que viria, anos mais tarde, ser o maior ídolo do clube.

Porém, antes de sê-lo e obter tamanho êxito, cresceu dezessete centímetros chegando a 1,72 metro, ganhou vinte e nove quilos encorporando para 66 em massa muscular e sendo preparado pelo médicos do clube para receber entradas duras e desleiais de seus marcadores, como a de Márcio Nunes, naquela noite infeliz de agosto de 1985, pelo Campeonato Carioca.

Recentemente, viveu confinado em sua casa onde esteve há mais de cem dias, o ‘White Pelé’ (Pelé branco) como o Galinho de Quintino é conhecido no exterior, e aceitou conversar com o Lado de Cá para fazer parte da série Vozes da Bola.

De onde vem o apelido Galinho?

Vem do Valdir Amaral, radialista da Rádio Globo. Quando estreei, estava jogando de centroavante, corria bem e lutava muito e como era cabeludo, recebi esse apelido de Galinho, e lógico, Quintino, por ser do bairro onde eu morava e fui criado. Então, pegou e hoje todo mundo me chama de Galo ou Galinho.

Quem foi sua inspiração no futebol?

Eu tive grandes inspirações, a começar pelo Dida, que era o grande ídolo do Flamengo e da minha família inteira. Meus pais diziam que depois de pai e mãe uma das primeiras frases que falei foi ‘Dida’. E lógico, depois dos meus irmãos, Edu e Antunes, onde eles jogavam, eu ia assistir, e aprendi muito com eles. E uma grande Seleção, com excelentes jogadores também me inspirou muito, porque era um ataque que todo mundo era camisa 10 em seus clubes, que foi a Seleção Brasileira de 1970. Nessa época, eu estava no juvenil e sabendo mais ou menos o que queria como jogador de futebol, olhava muito aqueles jogadores e aprendi muito com eles.

Você marcou 826 gols na carreira. Se não fossem os graves problemas no joelho, você acha que chegaria aos mil?

Bom, eu nunca me preocupei com essa coisa de bater recorde não, de numeração e tal. A gente com o decorrer do final da carreira que você começa a achar números. Eu terminei minha carreira com 831 gols e 1.174 jogos. Agora, tem muitos jogos que muita gente não conta que é a questão dos jogos que são amistosos ou não, jogos beneficentes e jogos de despedidas. Quando eu era profissional, eu anotava tudo e lógico, que se talvez eu tivesse pensando na questão de bater recordes, talvez pudesse ter chegado a isso, mas minha função não era essa. Eu acredito que como jogador profissional, eu tenha feito uns seiscentos e poucos gols, juntando Flamengo, Seleção Brasileira, Kashima, Udinese, aí chegue a uns setecentos e poucos talvez. Para um jogador de meio de campo está bom demais e talvez eu seja um meio-campista que tenha feito mais gols no futebol mundial. Acho que sempre gostei de fazer gols mas jamais deixei de dar um passe para um companheiro melhor colocado para fazer gols e ser artilheiro. Então, isso nunca passou pela minha cabeça, porque eu sempre fui ‘nós’ e não ‘eu’.

Alguns jornalistas esportivos e muitos torcedores acham que ganhar uma Copa do Mundo é o ponto alto na carreira do jogador profissional. Você disputou os mundiais de 1978, 1982 e 1986. O que faltou, na sua opinião, para esse título?

Eu acho que uma carreira não é pautada só por títulos, conquistas, perdas. Então, nunca me preocupei com isso, essa questão de ganhar ou não uma Copa do Mundo. Seria bom, pois lutei para isso, a gente quando está disputando alguma coisa você quer sempre ganhar e trabalha para isso. Se não foi possível, paciência! Grandes nomes da história do futebol não tiveram também essa possibilidade e outros que não representaram muito conseguiram estar num grupo que foram vencedores. Eu acho que o que dignifica a sua carreira é o teu comportamento, tua postura, teu modo de ser, o seu profissionalismo, eu acho que nesses pontos eu fui impecável. Então, para mim, não faltou nada e acho até que ganhei mais do que merecesse. A Seleção de 82 era uma seleção muito boa, todos os jogadores daquele time tiveram sucesso em suas carreiras individualmente, mas infelizmente não foi possível e no dia em que a gente não esteve bem acabou sendo eliminado. Naquele jogo erramos mais que o tanto no coletivo quanto no individual e diante de uma grande equipe como era a da Itália, eles não perdoaram a gente. Para você ver que o futebol é tão esquisito, que aquela partida foi a única oficial que eu perdi na Seleção Brasileira, juntando eliminatórias e Copas do Mundo. Disputei três Copas do Mundo: em 78, não perdermos, em 86 também não, saímos nos pênaltis após empatar em 1 a 1 no tempo normal e eliminatórias também não. Então, nem tive a felicidade de disputar uma final e muitos outros jogadores perderam e foram campeões do mundo. No mais, essas coisas acontecem no futebol, não deixo de colocar minha cabeça no travesseiro e dormir. Fiz o que era possível fazer, mas Deus não quis, só me resta entregar nas mãos D’Ele e paciência. Mas minha carreira está aí para todo mundo ver, o quanto eu trabalhei, me dediquei na Seleção e nos times que joguei.

Qual o gol mais bonito que você fez na carreira e o mais importante?

O gol mais bonito para mim foi o que eu fiz lá no Japão, que é chamado o ‘Gol de Escorpião’, pelo Kashima. Foi um gol de calcanhar ao contrário, difícil, e bonito pela plasticidade, onde deu tudo certo numa jogada entre eu, o Alcindo e o Carlos Alberto, quando ele deu o passe, eu já havia passado da bola, mas consegui dar um mergulho e puxar a bola com o calcanhar. Aí, o goleiro vinha saindo, então, a beleza foi na dificuldade. Dificilmente, você vê um jogador fazer gol igual a ele. Então, para mim, foi o gol mais bonito. E o mais importante, foi o de falta contra o Cobreloa, o segundo, na final da Libertadores de 81 e que selou ali o título. Eu sempre digo que todos os treinamentos que fiz de falta durante a minha carreira inteira, se eu tivesse só feito aquele gol, já teria valido a pena, ter desprendido o suor que eu desprendi para poder fazer aquele gol, que até aquele momento havia sido o título mais importante da história do Flamengo.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao Covid-19?

Bom, eu tenho aproveitado minha casa, afinal de contas, foram mais de cinquenta anos de trabalho e construí um bom patrimônio. Pela primeira vez, estou há quatro meses sem sair de casa com a (esposa) Sandra, meus filhos, netos, e estou aproveitando esse momento família. Tenho feito minhas caminhadas no campinho aqui em casa, corrida na piscina, utilizando meu spa e a gente constrói um patrimônio e em virtude do trabalho, acaba não aproveitando isso. Portanto, nesse período de pandemia, estou aproveitando minha casa, cuidando das minhas plantas, brincando com meus cachorros, olhando tudo, fazendo as mudanças que tenho que fazer e não sinto vontade nenhuma de sair de casa.

Zico segura seu neto ‘Tom’ pela primeira vez | Foto: Reprodução Instagram @Zico

Como surgiu a ideia do canal no YouTube, o ‘CanalZico10’, que já conta com um milhão e duzentos mil inscritos?

A ideia do canal surgiu do fato de eu ter feito uma linda carreira e grandes amizades ao longo desses anos no futebol. Se você não tiver conteúdo, não adianta ter nome. Então, o importante foi que aquilo que eu consegui no futebol, com a possibilidade de fazer bons conteúdos, e lógico, um papo sempre gostoso, divertido, sem polêmica, onde os convidados falam de suas histórias e contam coisas engraçadas. A produção do canal criou uns quadros bacanas onde todos se divertem, então, se o convidado quiser falar o que quiser, ele fala, e não é induzido a nada e nem em polêmicas. Estamos satisfeitos, é muito trabalho que dá, mas tem sido muito legal e o mais importante é que as pessoas que têm sido convidadas tem esse prazer em bater esse papo com a gente. Então, conseguimos bons parceiros e procuramos sempre valorizar isso levando grandes convidados que têm histórias, principalmente dentro do futebol. Mas a gente leva de outras áreas também, pessoas que às vezes têm ligação com o futebol. Estamos felizes e tivemos oportunidade nesse tempo de quarentena conversar com muita gente que seria muito difícil devido ao fato do trabalho. Mas como estavam em casa, a gente conseguiu uma galera muito legal para conversar e participar lá no canal.

E para terminar: Defina Zico em uma única palavra?

Uma palavra que me define é determinação

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