Everton de Jesus, de 39 anos, é coordenador do projeto social Craque Nota 10, uma escolinha de futebol que revela jovens talentos e ajuda crianças carentes, no Colubandê, em São Gonçalo. Admirado por amigos e alunos, ele viveu na tarde do dia 14 de agosto uma das piores experiências de sua vida: a face impiedosa do racismo.
O coordenador combinou de se encontrar com dois jovens atletas de seu projeto no interior do Supermercado Guanabara, no bairro do Colubandê, em São Gonçalo, depositar um dinheiro na loteria e receber um pagamento de seus alunos por camisas de treino.
Um dos garotos precisava de uma pochete e ele decidiu entrar na Casa & Vídeo que fica no local para comprar um biscoito e trocar seu dinheiro. Quando entrou na loja, Everton estranhou a falta de atendentes no local e, quando finalmente encontrou um funcionário, ficou sabendo que a loja estava sendo assaltada e tentou sair. “Quando tentava fugir um assaltante me abordou e me manteve como refém dentro da loja com um dos garotos e outros quatro funcionários”, conta Everton.
Minutos depois, outro funcionário chegou correndo e disse que os bandidos tinham ido embora. Everton aproveitou o momento e saiu do estabelecimento com um de seus alunos avisando aos comerciantes do entorno da loja que ali estava havendo um assalto. O que parecia ser o alívio era apenas o início do inferno.
“Estávamos eu e os dois alunos descendo a escada rolante e quando chegamos perto da Leader e ouvi um segurança à paisana gritando “Negão, negão, negão!”. Ele já chegou apontando um 38 para a nossa cabeça, mandando a gente deitar. Eles falaram “vocês roubaram a Casa & Vídeo”, enquadraram a gente”, lembra, com sofrimento, Everton.
Do período em que foram acusados pelos seguranças até a chegada da polícia, os três sofriam com a revolta dos populares e a imensa quantidade de fotos e vídeos que eram feitos. “Foi um constrangimento muito grande, as pessoas filmaram aquela situação porque todos acharam que nós tinhamos roubado a loja, o que não era verdade”, se revolta.
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“Como eu vou roubar uma loja com chinelo de dedo?”
Quase uma hora após a abordagem, viaturas da polícia chegaram ao local e, após pegarem nossos documentos e olharem nossos telefones, sabendo que não haviam roubado nada, levaram os três para a delegacia para prestar depoimento, devido às acusações dos “Eu só repetia “Como a gente roubou a Casa & Vídeo se a gente estava como refém? Como eu vou roubar uma loja de bermuda e chinelo de dedo se o ladrão estava de calça jeans?”, lembra Everton.
Ao chegar a delegacia, muitas horas depois, o desengano foi finalmente desfeito e os policiais não registraram queixa contra Everton, nem nenhum dos meninos. Em depoimento, a Polícia descobriu que o verdadeiro ladrão era um homem negro que estava vestindo uma calça jeans e uma camisa polo.
“Eu saí da delegacia, cheguei em casa 19h, com medo de que alguém fizesse alguma coisa contra mim. O pessoal tirou foto e, a todo momento, eu tive medo disso chegar na mão da minha mãe e ela infartar”, conta Éverton.
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Apesar do engano ter sido desfeito, os reflexos do caso de racismo se refletem nos três até hoje. Os dois menores precisam de acompanhamento psicológico depois de todo o trauma e Everton tem medo de entrar em qualquer estabelecimento da rede de lojas temendo represálias e mais acusações injustas. “Até hoje estamos convivendo com esse medo. Todo dia penso que se não tivesse a filmagem para provar, hoje eu estaria em Bangu e os meninos presos. Como eu ia me defender se isso acontecesse?”, conclui.
Everton acionou advogados e entrou com processos por racismo e constrangimento contra o Guanabara, a Casa & Vídeo e a empresa responsável pela segurança no local. Ele sabe que será uma batalha judicial longa e que pode custar caro, mas depois de toda a confusão, apenas um sentimento pode ajudá-lo a superar o episódio triste de preconceito: a justiça.
O Portal Lado de Cá tentou contato com as assessorias de imprensa dos estabelecimentos, mas não conseguiu uma resposta até o fechamento desta reportagem.