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sexta-feira, abril 19, 2024

Seu Altair

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Daqui a três dias vai chegar agosto.

Nesse oitavo mês do ano, desde 1975, minha irmã Flávia Lospennato, descendente de italianos por parte de pai, comemora no décimo sexto dia, seu aniversário.

Mas o mês reserva também, infelizmente, uma triste lembrança: foi no nono dia do ano passado, que Altair, gigante lateral tricolor e campeão da Copa do Mundo de 1962 – sendo reserva de Nílton Santos – fechou os olhos para a eternidade.

Mas lembrei de uma história com ele e conto agora na coluna Esporte Raiz.

Eu tinha dezesseis anos.

Depois de algumas tentativas frustradas no Flamengo, Vasco e Botafogo, o sonho de ser jogador de futebol continuava ardendo em meu pé.

Na mesma época, em um time recheado de craques, vestindo a 10 do Unidos do Viradouro, me sagrava campeão da Taça Ceclat, contra o favoritíssimo Grêmio, no Combinado Cinco de Julho, no Barreto, em Niterói.

Lito (como sou conhecido naquele lugar), esse é Altair, que te viu jogar e quer que você treine em sua escolinha – disse Walcyr, dono do time alvirrubro, bebericando em sua caneca de chopp apara em seguida me dar um beijo no rosto como forma de agradecimento pelo título conquistado.

Mesmo desanimado com os infortúnios que a bola me causou, e sendo ainda um jovem cheio de sonhos, fui incentivado a tentar mais uma (e última) vez.

No dia marcado, estava lá.

Não lembro a data, mas sim o dia e o ano: era uma terça-feira de 1989.

Nunca esqueci.

Cheguei cedo, um pouco antes das 13h.

Era meu primeiro treino no núcleo do Fluminense, no campo da Vidreira, no bairro Vila Lage, em São Gonçalo.

O treinador, um senhor bem magro, de pele mulata, chegou uns dez minutos depois.

Antes, porém, passou no vestiário do bar ao lado do campo, pegou as bolas, redes, coletes, cones, cabos de vassouras e uns elásticos todos embolados.

Começou a colocar nos gols as redes, as bolas na entrada da aréa, no meio campo os cabos de vassouras e um pouco mais atrás os cones.

Os elásticos, ia pacientemente desembolando um a um com a mesma categoria que marcava um certo ‘Mané’ Garrincha, nos quase 16 anos que jogou contra ele.

Vi tudo isso de longe e perto do horário do treino começar, já havia uns 50 garotos armados com chuteiras, caneleiras e tornozeleiras, dando voltas no campo e prontos para enfrentar aquela batalha.

– Oi seu Altair, sou Marcos Vinicius e o senhor me convidou para treinar aqui depois ter me visto jogar no Cinco de Ju…. – disse meio timidamente, sendo interrompido pela voz suave de quem vestiu 542 vezes a camisa do Fluminense.

– Faz o seguinte: acompanha a fila e aguarde ser chamado! – disse, apontando aquela chusma que corria em volta do campo.

Depois disso, se encaminhou no passo do gado para o círculo central e nos explicou o que deveríamos fazer.

E assim, o fizemos.

No fim, já anoitecendo, ele foi dizendo o nome dos que deveriam voltar na quinta-feira e os que ele não dissesse, estariam sumariamente reprovado.

Treinei bem, e voltei na quinta.

E fiquei por um ano, treinando nas terças e quintas, até ser levado para treinar em Xerém, cerca de 50 km da cidade de Rio de Janeiro, onde meses depois tive que abandonar pelo custo elevado das passagens.

Deus sabe o que faz.

Depois disso, nos encontramos no máximo umas duas vezes, e na última, ocorrida há uns quatro anos, conversamos sobre coisas da vida mas ele não lembrava de algumas delas – era visível que estava sofrendo da doença neurodegenerativa crônica chamada Alzheimer -, inclusive de mim.

Seu estado se agravou e foi internado no HCSG (Hospital das Clínicas de São Gonçalo), onde permaneceu cerca de um mês, sempre sendo visitado no CTI (Centro de Tratamento e Terapia Intensiva), por dona Luana, sua fiel acompanhante até os últimos dias de vida.

No dia 10 de agosto, recebi a notícia de sua morte e passou uma sucessão de imagens projetadas em minha mente de forma contínua.

Um filme com um “sad end” trinta anos depois, onde lembro que sair vitorioso daqueles treinos, era ter o nome gritado por ele.

Até para gritar, seu Altair era educado.

Não vou esquecer do apito e cronômetro pendurados em seu pescoço, em seu bolso da camisa onde ficavam a caneta bic azul – para anotar os aprovados – e outra vermelha – para os reprovados -, e da sua prancheta sempre embaixo dos braços.

Também do ‘paizão’ que era para nós, sempre nos aconselhando a não parar de estudar.

Do seu andar, do seu olhar, dos meiões sempre arriados em suas canelas finas e do sorriso impoluto.

Altair foi craque dentro de campo e mesmo não tendo esse privilégio de vê-lo, foi mais craque ainda fora dele, em tudo que fez.

 

Naquele 9 de agosto de 2019, o lateral que foi o melhor marcador de Garrincha, fechou os olhos para a eternidade, e certamente, agora, devem estar os dois travando um belo duelo onde só as estrelas – que inveja tenho delas – testemunham.

Descanse em paz, meu inesquecível treinador.

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