O ‘motorzinho’ de São Gonçalo que trocou a bola pela oficina

O automóvel é uma das maiores invenções do século XIX. Com a criação do motor a vapor em 1769, os carros começaram a transportar pessoas e, depois de 117 anos, em 1886, o alemão Karl Benz inventou o Benz Patent-Motorwagen, veículo considerado pai dos carros modernos.

No futebol, os times modernos são como os carros, precisam do seu jogador que funciona como um motor para fazer a equipe funcionar. O ‘motorzinho’ é aquele jogador que acelera na hora de atacar ou pisa no freio para se defender. O gonçalense Thiago Leite Silva nasceu na Casa de Saúde Vila Paraíso, em 26 de setembro de 1988,  predestinado a ser esse jogador.

Filho caçula de seu Luís Carlos Vitalino Silva – um clássico camisa 8 que dava gosto ver jogar – e de dona Rosemeri Leite, o garoto desde cedo conviveu com o futebol. “Minha paixão pelo futebol se dá por causa do meu pai que me levava para assistir alguns jogos no Águia Negra, no Campeonato Comunitário do Gradim”, revela ao Lado De Cá.

Apesar dos seis anos de idade, Leitinho – assim os mais chegados o chamavam – mostrava desenvoltura com a bola e uma habilidade muito parecida com a de Seu Luís em seus tempos áureos nos campos gonçalenses. Leitinho tinha distribuído em 1,68m de altura o desejo de ser alguém no futebol e um DNA com a vitalidade e habilidade herdadas do pai.

Em 1999, aos onze anos de idade, levado por seu pai, ingressou na categoria pré-mirim do CFZ (Centro de Futebol Zico) e conviveu com Adílio, Jayme, Andrade e o próprio Galinho de Quintino e buscou extrair o melhor de cada um nessa experiência enriquecedora. “Foi uma pena não poder continuar por causa da situação financeira do meu pai”, diz dos dois anos em que foi treinado pelos professores Gaúcho e Lima.

Se dentro de campo, Leitinho já era tido como um jogador endiabrado, fora dele ele se acostumou desde cedo a frequentar a igreja com dona Isidora, sua avó paterna. Em seus primeiros passos no mundo da fé evangélica, Leitinho acreditava que poderia restaurar o casamento dos pais por meio de orações. “Eu buscava ajuda no Senhor. Com 13 anos eu já subia os montes para orar pela vida conjugal deles”, revela, sem nenhum arrependimento.

Um ano depois, em 2002, Leitinho foi jogar no Combinado Cinco de Julho, no Barreto, em Niterói, para treinar na escolinha comandada por Jeremias, um ex-atacante com passagens pelo América/RJ, Fluminense, Vitória de Guimarães/POR e Espanyol/ESP, que se encantou com o moleque. “Apesar de baixinho era muito bom jogador. Muito pegador no meio, marcava e criava com a mesma eficiência”, diz o eterno ídolo do Mecão, aos 70 anos.

Jogador de extrema polivalência, era muito utilizado na categoria infantil – de 14 a 15 anos – por causa da idade e, por vezes, na infanto-juvenil – de 15 a 16 anos – por causa qualidade que exibia em campo. Certa vez, enfrentou o América/RJ, no Clube de Campo do Luso-Brasileiro, em Campo Grande e só faltou fazer chover. “Estava voando. O professor Jeremias me colocou nos dois jogos e arrebentei nesse dia. Perdemos por 2 a 1 no infantil e metemos 3 a 1 no infanto-juvenil”, relembra.

Convidado para treinar no tradicional clube de Campos Salles, ficou por lá quase um ano. A distância e a falta de recursos, acabariam desligando o ‘motorzinho’ da camisa 8 de seu sonho. Em 1994, tentou a sorte no Club de Regatas Vasco da Gama e, no campo anexo de terra batida que fica atrás das arquibancadas, treinou tão bem que seria inimaginável não se tornar atleta do clube cruzmaltino. “Vendo os treinos, os outros pais me diziam que era certo o baixinho ficar”, diz seu Luís sobre o filho.

Passar na exigente peneira não seria problema para o jogador que era, porém, nos quatro meses que treinou em São Januário, ele e seu Luís conviveriam com o submundo dos empresários (o famoso apadrinhamento), fora das quatro linhas. “Foi decepcionante saber disso. Não ser aproveitado por não ter um empresário” lamenta.

Acabou dispensado e, aos 16 anos, foi obrigado a se acostumar com as feridas causadas pela bola. A história se repetiria bem longe de São Gonçalo, desta vez em Xerém, quando treinou no Fluminense Football Club. Com uma carta de apresentação nas mãos calejadas de seu pai, se apresentou no tricolor. A carta em si não garantiria aprovação, mas estendeu dos três treinos habituais para oito a experiência do menino. Mais uma vez treinou bem, mas faltou o famoso padrinho para empresariá-lo. Numa última tentativa, agora com 17 anos, disputou a Copa Light pelo União Central Futebol Clube, da terceira divisão do Rio de Janeiro.

Depois de muito esforço, conseguiu a federação pelo modesto clube da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro, mas resolveu deixar o sonho de lado em nome da fé. “Achei melhor ir jogar no Ases de Ouro, do Gradim, trabalhar como mecânico e me dedicar à obra de Deus”, confidencia. Os irmãos na fé confirmam a versão de Thiago; “Ele é muito especial na minha vida. Quando mais precisei, ele me ajudou com uma palavra edificante”, revela o amigo Davison Marques de 22 anos, que também expõe uma característica que Thiago traz dos campos para a vida: “Ele tem um coração enorme, mas é um cara que não gosta de perder, seja nos jogos de futebol ou nas adversidades da vida cristã”.

Hoje, prestes a completar 32 anos, Thiago divide os domingos entre o Grêmio Recreativo e Esportivo Barabá, no Porto Velho, e os cultos da Igreja Evangélica Semeando no Gradim. São os curativos para a alma do motorzinho.

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