22.9 C
São Gonçalo
quinta-feira, abril 25, 2024

Ex-traficante e ex-jogador de futebol mantém projeto social em São Gonçalo para tirar crianças do crime

O futebol sempre esteve presente na vida de Alex Sandro Pereira dos Santos, morador da comunidade Alto do Boa Vista, na Covanca.

Órfão de pai desde os 4 anos, Alex, hoje com 41, foi criado numa casa humilde com a mãe Vera Lúcia e outras cinco pessoas, totalizando sete, e enfrentaria muitas dificuldades na vida. Cercado por más companhias, conheceu o caminho das drogas. Começou a fumar maconha e a experimentar cocaína de vez em quando.Jovem, sem dinheiro, sem trabalho e sem ter como manter a dependência química, começou a praticar pequenos furtos. O primeiro, aos 15 anos, ele não esquece.

“Minha primeira vítima foi meu tio Luiz. Por ser deficiente físico, ele guardava o dinheiro em sua barraquinha de doces que vendia no portão de nossa casa”, confessa lembrando do parente que morreu ano passado, vítima de câncer de garganta.

Mas o futebol se mostraria a tábua de salvação deste menino cria de São Gonçalo, que jogou nas categorias de base do Flamengo, Vasco, América, Bangu e São Cristóvão no Rio, Guarani em São Paulo e Atlético-PR, todos abandonados pelo talentoso garoto por causa do vício das drogas.

Com o talento herdado do pai que foi jogador profissional, o jovem, aos 19 anos, foi convidado a jogar pela Seleção das Favelas contra a Seleção do Japão no CFZ, no Recreio dos Bandeirantes, zona oeste do Rio de Janeiro.

Jogando na lateral-direita foi um dos destaques da partida, dando dois passes para os três gols que o centroavante De Leon marcou na vitória por 3 a 2.

O jogo foi o passaporte de Alex para conhecer o exterior, onde foi jogar no Los Pets e Santa Margherita, clubes da 8ª divisão do futebol italiano e, tempos depois no Montpellier da França.

No clube francês, teve como treinador a lenda camaronesa Roger Milla que, quando jogador, em 1994, entrou para o livro dos recordes ao se tornar o mais velho atleta a disputar uma Copa do Mundo, com 42 anos. “Trabalhar na base do Montpellier com Milla foi fácil, difícil foi esconder dele e de todos minha dependência química. Passei a treinar de manhã, tarde e noite. Os caras acharam que estava louco. Mas era abstinência”, recorda, se referindo período em sua ex-mulher estava grávida de Alice, a primeira filha do casal.

O dinheiro que ganhou na Itália e França, uma parte perdeu para o antigo empresário e a outra gastou com drogas, bebidas e mulheres. “Foi um dos piores momentos da minha vida. Ganhei dinheiro mas tive que voltar pois meu passaporte havia vencido e estava ilegalmente no país”, afirma.

De volta a São Gonçalo, ele entrou de vez para o mundo do tráfico de drogas, onde passou a ser conhecido por Turu.

Suas funções no mundo do tráfico eram provar a cocaína que chegava nos morros da cidade e assistir execuções dos jovens (muitos seus amigos de infância) que deviam ao movimento.

Turu permaneceu nas drogas até, certo dia, o grupo jovem de evangelização da Igreja Universal do Reino de Deus do Barro Vermelho visitou alguns morros, incluindo a Comunidade Alto do Boa Vista, na Covanca. “Naquela tarde, falei para ele do amor de Jesus e que fosse nos visitar, pois Deus tinha um propósito em sua vida”, diz o líder do grupo e até hoje seu amigo, de 51 anos.

Timidamente, Turu começou a participar das reuniões do grupo e, por muitas vezes, deu dor de cabeça para os membros da igreja. “Eu lembro que Alex chegava na igreja para uma reunião e do nada, sumia. Íamos atrás dele e estava no tráfico. Isso aconteceu várias vezes. Numa delas falei para ele que quando ele estivesse no fundo do poço, se lembraria de Deus”, revela.

“Alex foi um filho gerado pela fé. Apenas por ela”, diz atualmente o membro da IURD de Maricá.

Em um certo dia, numa operação da Polícia Militar no morro, na correria para escapar do confronto, o líder do tráfico se escondeu em sua casa e se fez passar por seu pai.

Depois do terror psicológico pelo qual passou e da descoberta de toda história pelos policiais, foi algemado e levado para o camburão para em companhia de mais vinte pessoas até à 73ª DP em Neves, São Gonçalo.

Capturados, foram obrigados a descer o morro e entrar enfileirados cantando ‘Ilariê’, da Xuxa, quando o comandante da operação pede para falar com ele. “Meu filho, você acredita em Deus? Acredita que ele me pediu para te falar que tem um propósito na sua vida?”, disse o comandante, retirando as algemas de seus pulsos.

“Sim senhor, eu acredito”, respondeu Alex, limpando as lágrimas que escorriam pelo rosto.

Em seguida ouviu daquele comandante, que seria morto meses depois, a profecia que mudaria sua vida. “Eu sou evangélico e Deus pediu para te dizer conforme João 8:11: E disse-lhe Jesus: “Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais”, disse.

E assim foi feito.

Ele foi e não pecou mais.

Deixou a vida do crime, superou as perdas do avô e tio, além do assassinato do irmão caçula Carlos em 2016 e se converteu.

Atualmente, é conhecido pelo apelido de Café e divide o tempo entre os filhos Alice, de 16 anos, e Pedro Lucas, de 8, e o projeto social Tração, em São Gonçalo, cujo propósito é tirar jovens do tráfico de drogas e possibilitar a cada um deles a ressocialização por meio do jiu-jitsu e de sua inserção no mercado de trabalho.

Matérias Relacionadas

plugins premium WordPress