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sexta-feira, março 29, 2024

A história de Sandrinho, o artilheiro que se alimentava de gols

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Sem chuteiras, meiões arriados, massageando as coxas, acariciando os joelhos com as pontas dos dedos e sentado no banco de reservas, Sandrinho ia municiando com cadarços suas ‘armas’ de fazer gol.

Matador como poucos na cidade com mais de um milhão de habitantes, ele não via a hora de entrar naquela partida.

Era o primeiro – dos dois jogos – que decidiria o 13° campeonato comunitário do Gradim de 2003.

A todo instante o camisa 9 olhava para o treinador Wallace e seu auxiliar Wellington, que à beira do campo davam instruções para seus jogadores.

Os pobres Tiago Pedalada e Waguinho, atacantes titulares naqueles 90 minutos, carregavam dentro de si a responsabilidade que só uma vitória com V maiúsculo amenizaria.

Ambos sabiam da importância do reserva e viam em seus olhos, a tristeza e preocupação com seu joelho direito, vítima de LCA (ligamento cruzado anterior) e o esquerdo com tendinite aguda.

Porém, sua vontade de vencer a contusão era tão grande que contagiou a todos e de maneira poucas vezes vista em um time de várzea.

Todos, sem exceção, estavam ‘ligados’ a 220 volts!

“Tiago, marque a saída de bola deles garoto”, berrava Rogério, um dos membros do staff do time ao lado do roupeiro Fladilson e do massagista Ratinho.

Com a veia do pescoço sobressaltada e no peito a medalha de São Jorge banhada de suor pela adrenalina daquele 07 de dezembro de 2003, o jogo pegava ‘fogo’.

Naquele domingo, no campo do extinto Gradim Futebol Clube – um dos primeiros clubes a se filiar à Liga Gonçalense de Desportos (LGD), em 1931, com a ajuda do saudoso prefeito Joaquim Lavoura (1913-1975) – Sandrinho, o atacante que exalava gols, não atuaria.

Coisa rara para quem nunca havia sentado à bunda num banco de reservas desde 1989, quando aos 15 anos começou a jogar futebol como goleiro de futsal no Colégio Municipal Presidente Castelo Branco, no Boaçu.

No ano seguinte, Alexandro Paiva de Oliveira trocaria em definitivo a camisa 1 pela 9.

Em 1992, pelo Coroensinho, sagraria-se campeão e artilheiro no extinto campo do Aterro – hoje sede da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE), que fica às margens da Rodovia Governador Mário Covas, 101, KM 312, no Boa Vista, em São Gonçalo – contra o Biquinha.

“O time do Biquinha tinha vários jogadores que eu adorava ver jogar. Mas um dos maiores prazeres que o futebol me proporcionou, foi jogar contra e a favor de Paulo Rubens”, revela ao Lado de Cá.

E completa: “O que o Ronaldinho Gaúcho fez e o Neymar faz agora, ele (Paulo Rubens), já fazia naquela época”.

Porém, preservado para os outros 90 minutos que decidiriam o título, o artilheiro tratava dos joelhos, que castigados por marcadores implacáveis, careciam de cuidados.

Sua mãe, dona Terezinha, preparou o filho, considerado o pesadelo dos zagueiros, na semana que antecedeu à decisão.

Com o sucesso do tratamento e com o psicológico refeito nas conversas com Patrícia, sua noiva na época, o otimismo era inevitável: com ele em campo, as chances do Jovem Fla ser campeão aumentavam e muito.

“É nossa primeira vez nesse campeonato e no empenho demostrado pelos jogadores conseguimos superar os adversários e chegar até aqui”, disse o confiante treinador Wallace à época para O São Gonçalo.

E não era para menos, pois em nove jogos, venceu seis, empatou dois e perdeu um.

Com uma campanha irrepreensível, a equipe formada por jogadores do Boa Vista, Boaçu e Rosane, bairros coimãos em São Gonçalo, chegara àquela final com méritos.

No primeiro jogo, um 0 a 0 insosso, muito estudado, tipo uma partida de xadrez, em que as equipes se respeitaram muito com medo de um Xeque Mate – jogada que representa o final da partida.

O JFFC teria que vencer o bom time do Santa Fé, que com Bigú, Julião e Jorginho, jogadores qualificados pelos títulos conquistados nos quatro cantos da cidade.

Eram, favoritos.

Na segunda partida, ocorrida no dia 14 de dezembro de 2003, o campo parecia um formigueiro de gente.

Torcedores soltando fogos, balões com os escudos das equipes no céu, imprensa local fazendo a cobertura… enfim, cenário perfeito para uma manhã inesquecível.

Jogadores chegam em seus carros, alguns a pé, uns com fisionomia fechada e outros sorrindo tentando disfarçar o ‘frio na barriga’ com os nervos ‘à flor’ da pele.

Os jogadores vão entrando um a um e Sandrinho é o último a passar pela porta antes dela ser fechada.

Entre caneleiras, tornozeleiras, bolsa térmica com gazes, esparadrapos, algodão, merthiolate, gelo, água, e muita vitamina C das laranjas que eram chupadas pelos jogadores, haviam naqueles 22 atletas, o desejo de fazer história.

No vestiário número 2, a tradicional corrente, palavras incentivadoras, escalação anunciada, um Pai Nosso orado a plenos pulmões e o tradicional grito de guerra: “Sososososo… sou Jovem Fla!”, repetido três vezes que extravassou em coro uníssono tão alto e estridente impressionando os jogadores adversário no vestiário ao lado.

Medo e respeito eram sinais notórios dos que enfrentavam o Jovem Fla.

O trio de arbitragem, comandado por Edílson Soares dos Santos – sósia de Michael Jackson como é conhecido e com a bagagem de ter arbitrado quatro finais dos Campeonatos Cariocas de 2002, 2003, 2004 e 2005 – entra no campo com o semblante fechado.

Em meio ao clima proporcionado pelo jogo, Sandrinho caminha cabisbaixo olhando para o chão, passos lentos, pois o banco é o seu destino mais uma vez.

No meio-campo, Ricardo e Julião, capitães de suas equipes, trocam olhares espúrios e um aperto de mãos pouco amigável no cara e coroa.

A guerra, ou melhor, o jogo, vai começar!

Apito soprado e dá-se início a grande final.

E logo nos minutos iniciais, o jogo se desenha numa equipe que precisa vencer para conquistar o tão sonhado título e outra que joga com o regulamento debaixo dos braços.

O nervosismo começa a ser o maior adversário, já que a cada volta do ponteiro do relógio, a pressão aumenta.

“Ivo, seu filho da p…, é sério p…!”, esbravejava Wallace, com um copo de cerveja numa das mãos enquanto a outra esfregava a cabeça tamanha preocupação com o preciosismo do camisa 4.

E como diz o ditado no futebol, ‘quem não faz leva’ e num contra-ataque, Bigú abre o placar para o Santa Fé.

Desespero de todos e serenidade no camisa 9 rubro-negro.

“Vamos lá matador, chegou a hora”, diz Wellington, mandado Sandrinho para o aquecimento.

Com o placar desfavorável, o treinador do Jovem Fla faz duas mexidas ousadas: saca os cabeças de área Ricardo e Alex, colocando o meia ofensivo Gaiato e Sandrinho, o artilheiro.

O jogo incendeia.

As melhores oportunidades vêm dos pés de Sandrinho mas é com a cabeça que o temido atacante empata a partida.

“Eu me lembro que foi uma cabeçada indefensável após um belo cruzamento de Pablo”, recorda..

Com o 1 a 1, o empate daria o título para o Santa Fé.

Mas nos acréscimos, Sandrinho recebe belo passe de Juninho e após passar pelo marcador é calçado por trás dentro da área.

Todos viram, menos o juiz sósia de Michael Jackson, que assinalou falta e não a penalidade máxima.

Em seguida, a falta é cobrada por Rivaldo e passa tirando ‘tinta’ do travessão.

O jogo termina e o Santa Fé é campeão pelo critério de saldo de gols.

Enquanto os campeões comemoram, os jogadores do Jovem Fla caminham cabisbaixos para o vestiário.

O sentimento é de dever cumprido numa competição tão acirrada como foi e é até hoje o campeonato comunitário do Gradim.

E para Sandrinho – mesmo tendo feito aquilo que todos esperavam dele -, fica a frustação pela não conquista do tão desejado título, de quem foi um dos maiores goleadores que São Gonçalo já conheceu.

“Um erro do juiz mudou a nossa história e nos custou o título. Principalmente para Sandrinho, que merecia sorte melhor e fez um esforço sobrenatural para jogar aquela final”, disse o meio-campista Marcos, camisa 8 e companheiro de time.

Passados dezessete anos, a vida seguiu seu curso.

Já Sandrinho, artilheiro que exalava gol, desbravou outras zagas e foi artilheiro por onde pisou a planta dos seus pés enquanto o Jovem Fla existiu até 2006.

Hoje, ambos jazem nos corações dos que viram um dos maiores times de várzea ganhar tantos troféus (trinta e oito ao todo) e tendo seu imortal camisa 9 como protagonista em muitos deles.

Doces lembranças de quem fez história nesta cidade de 129 anos.

Felizes foram os que viram Sandrinho dentro das quatro linhas, um jogador com sede de vitórias e fome de gols.

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